Aproveitei o feriado de 15 de novembro para fazer uma trilha pilotando minha cruiser no Parque do Cocó e, em seguida, visitar a Bienal Internacional do Livro.
Saí bem cedo de casa em direção ao parque. Havia muita gente por lá: crianças, jovens e idosos circulavam em maior ou menor velocidade, independentemente da idade. Pedalar em espaços públicos com tanto verde, ar puro e uma ruma de pessoas transforma o ânimo de qualquer um.
De lá foi só atravessar a Avenida Washington Soares, até o Centro de Eventos, rumo à Bienal. Passava das 10 da manhã. Àquela hora, surpreendente encontrar o local já cheio, sobretudo de adolescentes e jovens de escolas públicas. Na “Era das Correntes (grilhões?) de Zap”, ver abundar o interesse pela leitura é sempre alentador.
Adentrando o pavilhão destinado ao evento, me deparei com muitos estandes e espaços institucionais de editoras, associações de cordelistas, movimentos sociais de diversos matizes e uma área delimitada para apresentações culturais.
Pedalar pela cidade, com o intuito de manter a saúde física e mental, já é parte de minha rotina, mas o meu objetivo ali era buscar publicações inclusivas voltadas ao público PcD (pessoas com deficiência) visual e auditiva. O grupo musical do qual faço parte, a banda Obskure, estará lançando em breve material novo – projeto contemplado na última edição do Edital das Artes, capitaneado pela Secretaria da Cultura do Ceará –, registro de uma apresentação realizada no Cineteatro São Luiz, em agosto de 2019. Além das músicas gravadas na mídia física, propriamente, a edição prevê um encarte em Braille e audiodescrição. Devo dizer que a inclusão desse público na agenda das políticas públicas é fruto de muita mobilização da sociedade civil, universidades, Ministério Público, dos Conselhos de Política Cultural e dos Governos estaduais.
Após percorrer todo o pavilhão do Centro de Eventos e conferir estande por estande, tive de solicitar ajuda a pelo menos quatro pessoas que prestavam serviço ao evento. Porém, nenhuma delas soube me informar se haviam publicações com esse perfil disponíveis. Confesso que saí desapontado dali, na verdade, preocupado com a falta de acolhimento a esse público tão importante e merecedor – como todos os demais – de ter suas necessidades contempladas em um acontecimento do porte de uma Bienal.
Ainda com isso em mente, alguns dias depois, conversei sobre o assunto com uma professora e pesquisadora da Universidade Federal do Ceará – UFC (cujo nome não vem ao caso publicar) que compartilhava da mesma indignação: “Confesso que achei a bienal bem limitada”. Em relação às demandas do público PcD, ela observou que é "dificílimo'' encontrar informações sobre o assunto. Só em artigos acadêmicos”. Outra constatação feita por ela se referiu ao custo pouco acessível das obras à venda: “Se não pesquisar, a gente cai na cilada dos valores. Melhor dar uma olhada na internet, pois, às vezes, há livros com pouco uso, em condição de novo, com preços ainda melhores que nos sites costumeiramente mais em conta”.
Também achei o preço das publicações exorbitante – trabalhador da cultura costuma (sobre)viver com pouco. Muitas delas, inclusive, comercializadas como “ponta de estoque” e “saldão”. Eu tinha o objetivo de adquirir publicações da área de Psicologia, porém, os valores acima da média em relação aos praticados pelas livrarias virtuais inviabilizaram a compra. Uma pena. Saí de lá sem bagagem adicional para carregar comigo. Ainda tinha a distância da volta a percorrer na minha bike...
PS. Este relato não tem como objetivo desmerecer a versão cearense da Bienal Internacional do Livro, mas, sim, contribuir para a ampliação da discussão sobre a oferta inclusiva de publicações dedicadas aos PcDs – esse segmento que, historicamente, esteve à margem da sociedade e das políticas públicas. Não podemos nos abster de denunciar, ainda hoje, a perpetuação da violência simbólica contra esse grupo social.
Amaudson Ximenes Veras Mendonça é Sociólogo e Músico. Atualmente, é membro titular do Conselho Estadual de Política Cultural – Linguagem Música

